Internet: serviço de primeira necessidade

Fonte: TeleGeography Submarine Cable Map - https://www.submarinecablemap.com/#/

Não é mais exagero afirmar que a internet passou a ser um serviço de primeira necessidade, sendo tão importante quanto o fornecimento de saneamento básico e energia elétrica. Para alguns jovens, o que de mais aterrorizante pode acontecer é a bateria do celular terminar durante o dia ou ficarem sem sinal wi-fi.

Em tempos de pandemia e isolamento social, quarentena e até blockdown, onde o recomendado é ficar em casa, só a internet para nos salvar. Pois atividades elementares passaram a ser virtuais. Assim como interagir em redes sociais, trabalhar e estudar também passou a ser de forma remota.

Mas afinal, o que é a internet? Quando ela surgiu? E quais ameaças ela sofre? É sobre isso que iremos abordar neste texto.

 

Internet – início de tudo

Em primeiro lugar, podemos definir a internet como sendo uma grande rede de computadores, a qual reúne outras redes menores espalhadas ao redor de todo o planeta. Primordialmente estes computadores se comunicam entre si utilizando protocolos TCP/IP, passando pelos servidores espalhados pelos quatro cantos do mundo. Ou seja, o provedor que nos fornece a conexão por meio de fibra óptica, ADLS ou rádio, é só um ponto de interligação a este grande conglomerado.

A história da grande rede, resumidamente, pode ser definida como iniciada por volta da década de 1960/70, quando as primeiras redes de comunicação de computadores começaram a ser criadas. Outro marco foi a padronização do “internet protocol suite” (TCP/IP), assim criando um conceito de uma rede totalmente interligada que passou a ser denominado de internet. Até então estas redes que interligavam outras micro redes eram praticamente só para uso de pesquisa e ensino. Foi somente no final da década de 1980 e início de 90 que que a liberação ao acesso comercial começa a ocorrer.

Desde então, seja por acesso discado, por cabos coaxiais, rádio, cabos telefônicos, fibra óptica ou satélite, ela se espalha e já iniciou uma revolução silenciosa, bem que as vezes não tão silenciosa assim. Tem influenciado a cultura dos povos, eleições, a forma de fazer compras e se divertir e se relacionar. Já mudou a forma de se comunicar, de consumir noticias e conteúdos multimídia, de estudar e trabalhar. E olha que estamos vivendo só os primeiros anos e poderíamos inclusive afirmar que, o que temos hoje são equipamentos arcaicos e bem limitado se comparar onde podemos chegar, se é que a humanidade vai conseguir permanecer na terra por mais algumas décadas.

E-mail – primeiros cliques

Já em relação ao surgimento do percursor do que hoje conhecemos como e-mail, foi em 1971 que Ray Tomlinson criou um protocolo que permitia o envio de mensagens de um computador para outro utilizado o @ para diferenciar o nome do usuário do nome da rede destinatária. Uma revolução, pois em segundos sua mensagem estava no destinatário final o qual ao lê-la, poderia respondê-la em seguida, se assim quisesse. Desde então, surgiram inúmeros aplicativos de comunicação instantânea. Muitos já padeceram, outros tantos ainda sobrevivem mas agora disputando espaço com um dos mais recentes e famoso: o WhatsApp. Este, por sua vez, já substituiu quase completamente o telefone tradicional só que oferecendo muito mais recursos.

Mas nem tudo são flores, pois junto com eles veio a #ansiedade. Isto porque ao enviar uma mensagem a maioria das pessoas espera o retorno imediato da resposta. Sem contar que, com a facilidade de criar e encaminhar mensagens, a proliferação de fake news e memes ganharam um terreno muito fértil para sua propagação.

 

Internet – primeira necessidade

Nas últimas semanas ficou mais do que evidente que a internet passou a ser um serviço de primeira necessidade. Já que para a maioria das pessoas estudar, trabalhar e se divertir está sendo possível somente por meio dos bits que navegam pela rede. Agora imaginem, que a internet fixa fosse limitada tal qual é a móvel? Pois é isso mesmo que as principais operadoras do Brasil estão tentando fazer há tempos. Limitar o volume de tráfego mensal por usuário. Ou seja, definir uma franquia tal qual existe para os dados móveis. No momento essa ideia parece esquecida, mas a qualquer momento pode ressurgir com mais força.

Há explicações técnicas, sim. Mas também há a questão financeira envolvida.

 

Como funciona a internet

Pelo viés técnico é fácil entender a preocupação, visto que há um forte desequilíbrio entre o aumento de demanda (especialmente com os novos serviços de Streaming de áudio e vídeo) e a ampliação da infraestrutura (rede).

A velocidade das conexões são medidas em megabits por segundo (Mbps). Ou seja, é a velocidade, em outras palavras, a quantidade de dados que poderá passar por segundo pela conexão. Por exemplo, as conexões residenciais geralmente tem velocidades variando entre 10 a 300 Mbps, sendo que na média ficam entre 50 a 150 Mbps. Esta é uma velocidade suficiente para jogar online, assistir filmes em alta definição, fazer vídeo chamadas e trabalhar online. Tudo ao mesmo tempo.

Se esta é uma velocidade muito boa, então você pode estar se perguntando: porque a qualidade da imagem dos filmes piorou muito? Porque a internet tem caído frequentemente? E por que querer limitá-la?

 

Velocidade de conexão

Para exemplificar melhor, vamos fazer a analogia com o fluxo de carros sobre uma grande avenida. Supomos que cada carro corresponde a 1 Mebabit. Já a avenida seria a conexão que tem capacidade para suportar “n” carros por segundo. Então, a velocidade que o provedor lhe “vende”, nada mais é do que o direito de utilizar uma avenida vazia entre a sua casa e este fornecedor de serviço.

Porém, outras residências também estão conectadas ao mesmo provedor. Talvez milhares. Este por sua vez, se conectará com outros provedores do mundo utilizando os serviços dos provedores dos provedores, por meio de conexões maiores chamadas de backbone. São nestas conexões centrais onde ocorrem os principais gargalos.

Mais de 99% das conexões mundiais se dão por fibra óptica que interligam 6 dos 7 continentes (só Antártida) não é ligada. Embora a velocidade de informação possível de trafegar por eles seja muito alta, não são muitos os que interligam o Brasil ao resto do mundo.

Assim, voltando a analogia dos carros sobre uma avenida, seria o mesmo dizer que você tem um caminho livre até seu provedor mas depois conforme a conexão vai ganhando o mundo, milhões de outros carros passam a utilizar o mesmo caminho e dividir o mesmo espaço. E como são poucos os caminhos, inevitavelmente haverá um gargalo. Um engarrafamento de dados.

Analogamente, as conexões internas no território Brasileiro também são feitas por meio de fibra ópticas, só que terrestres. Estas, em muito maio número e construída na forma de anéis afim de fornecer redundância. Mas mesmo assim, também limitadas para o tráfego crescente.

 

Internet serviço de primeira necessidade – limitar ou não limitar

Quando analisada sobre o viés da infraestrutura como um limitante, pode-se entender a preocupação com a necessidade de se estudar alternativas viáveis e sustentáveis. Porém, não pode-se esquecer que mais do que nunca a internet se tornou um serviço de primeira necessidade.

Aqui se faz a necessidade de fazer outra explicação técnica. O propósito não seria limitar a velocidade máxima de navegação, e sim, a quantidade de dados que podem ser consumidos em um determinado período. Como um mês, por exemplo. Voltando a analogia da avenida, não seria limitar o número de carros por segundo, mas sim, o total permitido no mês. Quem joga online, assiste filmes em alta definição, ou trabalha remotamente, certamente consume muito mais do que quem apenas utiliza a internet para acessar os mensageiros instantâneos e as mídias sociais.

 

Visão das operadoras

Contudo, ao analisar quem são os maiores defensores da limitação, observamos que os motivos não são puramente técnicos, e sim financeiros.

Entre os maiores interessados em limitar este serviço de primeira necessidade, encontra-se uma das maiores operadora de telefonia fixa e móvel, além de serviços de tv por assinatura no Brasil e no Mundo. Exatamente os serviços mais prejudicados com as novas plataformas digitais. Pois estão gradativamente sendo substituídos por aplicativos de VoIP (voz sobre IP), Streaming de áudio e vídeo, mensageiros instantâneos, entre outros e muitos que ainda irão surgir. Em 2015, o então presidente desta mesma companhia declarou: “o serviço de mensagens e de voz sobre IP do Facebook é uma “operadora pirata” e age na ilegalidade.” Ele estava falando do serviço recém lançado na época, que era a possibilidade de fazer ligações pelo WhatsApp, o mensageiro instantâneo mais utilizado no Brasil e no Mundo.

Imaginem de uma hora para outra, ser possível ligar para 98% dos usuários de telefone celular no Brasil a custo zero? Sem a necessidade de pagar os altos custos com ligações para celulares? É exatamente isso que o VoIP permite (98% dos smartphones Brasileiros têm WhatsApp instalado). Ao mesmo tempo assinar um pacote de filmes online por R$9,90 ao mês, e escolher o que assistir, em detrimento a um modelo em que o usuário é obrigado a assinar centenas de canais a preços absurdos, para as vezes assistir no máximo “meia dúzia). É isso o Streaming de vídeo.

Em resumo: telefonia fixa e móvel e TV por assinatura, os maiores prejudicados com uma internet livre e ilimitada.

 

Defesa das operadoras

Se você já leu até aqui, pode estar se perguntando: esse assunto já não está definido? Contra a limitação? Sim, e não. Por hora parece estar, mas nunca se sabe quando surgirão outras tentativas de ataque.

Veja que um dos argumentos utilizados, é que todos pagamos igual. Tanto aquele garoto que passa 20h por dia jogando online ou maratonando no seu Streaming predileto, quanto os avós que só utilizam a internet para ver as fotos dos netos. E que assim, a limitação trará mais qualidade de serviço e a oferta de planos mais econômicos.

Talvez você acredite em “papai noel”. Ai tudo bem. Lembram-se quando falaram que com a cobrança das bagagens despachadas os serviços de aviação iriam melhorar e as passagens baixariam? Pois é. A história final você já sabe e não precisamos repetir.

Por hora, é importante conhecer um pouco do funcionamento e ficar atendo a qualquer movimentação neste sentido de limitação. Uma vez passada a pandemia, certamente o mundo não voltará a ser como antes, e os serviços digitais que subiram abruptamente neste período, certamente irão permanecer na vida das pessoas e também das organizações. Assim, a internet como serviço de primeira necessidade, deve ser livre e ilimitada. Pelo menos assim deveria ser.